O Senado Federal, que deveria ser um templo da democracia, do debate qualificado e da construção civilizatória, se transformou hoje, 27 de maio de 2025, em um palco lamentável de brutalidade simbólica, de violência verbal, de misoginia desavergonhada e de racismo estrutural escancarado. A ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima, Marina Silva, foi alvo de um verdadeiro linchamento moral, de ataques grosseiros, insidiosos e profundamente desumanizadores — não apenas contra ela, mas contra tudo o que ela representa: as mulheres, os negros, os pobres, os filhos da floresta, os invisíveis da história.
Não se tratou, como alguns tentarão relativizar, de um embate político duro, mas legítimo. Não foi um debate sobre os rumos das políticas públicas ambientais do país. Foi, sim, um ato de covardia. Um atentado à dignidade. Uma tentativa de aniquilação simbólica e subjetiva. Um exercício cruel e explícito de violência política de gênero e de raça, materializado não só nas palavras, mas nos gestos, nas expressões faciais, nas interrupções constantes, nas ironias e na falta completa de respeito.
Um senador, que não merece sequer ter seu nome citado — e que aqui ficará relegado ao anonimato que sua postura lamentável merece — foi a gota d’água de um cenário hostil, deselegante, profundamente vexatório para qualquer nação que ainda se pretenda democrática, civilizada e minimamente decente. Este personagem, expressão viva dos escombros do patriarcado, do colonialismo e do racismo estrutural, ousou dizer que Marina Silva deveria “se colocar no seu lugar”. E a pergunta que se impõe é: que lugar seria esse? O da subalternidade? Da submissão? Da invisibilidade? Da servidão? Da mudez imposta àqueles que, por séculos, foram condenados a não existir no espaço público?
Marina, com a altivez dos justos, respondeu com uma dignidade que não cabe nas pequenas almas de seus algozes: “O meu lugar é onde todas as mulheres devem estar.” E completou com uma verdade cortante como lâmina: “Eu não fui convidada aqui por ser mulher. Eu fui convidada porque sou ministra. O que não pode é alguém achar que, porque você é mulher, porque você é preta, porque vem de uma trajetória de vida humilde, vai dizer quem eu sou e ainda dizer que eu devo ficar no meu lugar.”
Mas talvez o que torna este episódio ainda mais doloroso, mais constrangedor e mais indigno é que Marina Silva não foi apenas atacada pelos setores mais retrógrados, agressivos e hostis da política brasileira. Ela também foi, de forma absolutamente inaceitável, abandonada. Os senadores da base do governo do qual Marina faz parte — homens e mulheres que deveriam ser seus aliados naturais, que deveriam ter se levantado em sua defesa, que deveriam ter sido escudo e voz solidária naquele momento — escolheram o silêncio. Escolheram a omissão. Escolheram o conforto covarde de quem assiste a violência acontecer sem mover um músculo, sem oferecer uma palavra, sem estender a mão.
Este silêncio cúmplice ecoa tão alto quanto os gritos ofensivos de seus detratores. E talvez doa ainda mais. Porque Marina, naquele momento, não estava sozinha apenas diante dos que a atacavam. Estava sozinha também diante dos que deveriam estar ao seu lado. E não estiveram.
A cena no Senado escancara muito mais do que uma crise episódica. Ela revela, em sua crueldade nua, que a política brasileira ainda carrega, de forma visceral, as marcas do patriarcado, do racismo, do classismo e da lógica colonial que insiste em querer definir quem pode e quem não pode ocupar os espaços de poder. Não foi apenas uma ofensa pessoal. Foi um ataque à própria ideia de democracia, de pluralidade, de diversidade, de justiça.
Marina Silva nunca aceitou que lhe dissessem onde deveria estar. Desde menina, enfrentou a fome, as doenças, o analfabetismo, o preconceito, o machismo, o racismo e todas as formas de exclusão que esta sociedade tão desigual, tão violenta e tão elitista é capaz de impor. Superou tudo isso. Tornou-se uma das maiores lideranças socioambientais do mundo. Senadora da República. Ministra de Estado. Referência ética, moral e política não apenas no Brasil, mas no planeta.
E que ninguém se engane: não há grito de ódio, não há gesto de violência simbólica, não há covardia parlamentar que seja capaz de apagar essa história. Que seja capaz de diminuir essa mulher. Que seja capaz de arrancar dela o lugar que ela conquistou — não por favor, não por concessão, não por compadrio —, mas pela força de sua luta, pela consistência de sua trajetória, pela dignidade de sua vida.
O que se viu no Senado não é um fato isolado. É o retrato de uma política que, acuada pelas transformações sociais, reage com ódio e violência. Uma política que não suporta ver corpos negros, corpos femininos, corpos da floresta, corpos da pobreza ocupando os espaços que sempre foram, segundo sua lógica perversa, reservados aos mesmos de sempre: os homens, brancos, ricos, urbanos, herdeiros do colonialismo e do patriarcado.
Marina não estava ali apenas como ministra. Ela estava como símbolo. Como representação viva de tudo aquilo que os setores mais atrasados deste país odeiam. E é exatamente por isso que ela foi atacada. Porque sua presença ali não é apenas ocupação — é resistência. É reparação histórica. É ruptura. É sinal inequívoco de que o velho Brasil agoniza, mesmo que grite, mesmo que esperneie, mesmo que agrida.
Que este episódio sirva como espelho para que o Brasil se olhe, se enxergue e se pergunte: até quando? Até quando permitiremos que mulheres sejam tratadas como intrusas no espaço público? Até quando aceitaremos que pessoas negras sejam permanentemente questionadas sobre seu direito de existir? Até quando vamos tolerar que os filhos e filhas da pobreza sejam tratados como corpos estranhos nos espaços de decisão?
Marina Silva tem razão. Seu lugar — e o lugar de todas as mulheres, de todos os negros, de todos os pobres, de todos os filhos e filhas da floresta, das periferias, dos quilombos, dos campos e dos rios — é onde a história se faz. É no centro da política. É no centro da democracia. É no centro do futuro que estamos, todos e todas, tentando construir.
E que ninguém duvide: se tentaram fazê-la calar, ouviram sua voz ecoar mais forte. Se tentaram envergonhá-la, mostraram ao Brasil — e ao mundo — quem, de fato, deve se envergonhar. Porque a vergonha não é de quem luta. A vergonha é de quem odeia. A vergonha é de quem agride. A vergonha é de quem se cala diante da injustiça.
Marina Silva não está só. Sua dor é nossa dor. Sua luta é nossa luta. Sua dignidade é inspiração para gerações inteiras. E a sua coragem é a prova viva de que a história, embora muitas vezes ande devagar, segue — irreversível — na direção da justiça, da igualdade e da dignidade.
Hoje, amanhã e sempre: Marina, estamos com você.